quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Filme "La Luna" (1979) de Bernardo Bertolucci - Reflexões Psicanalíticas





Quando se fala em psicanálise hoje, parece claro não se tratar apenas de um aglomerado de teorias científicas vagas e abstratas. No cinema, na música, na arte, na literatura, toda forma de expressão humana parece estar intimamente relacionada ao estudo proposto por Freud no final do século XIX.
Apesar de inúmeras críticas e da dificuldade encontrada pelo psicanalista em sua proposta de trabalho, o campo de abrangência da psicanálise parece infinito; a cada guinada das organizações sociais, cada ruptura com os costumes e criação de novos paradigmas, abre-se espaço de reflexão e surgimento de idéias que se apóiam, fundamentalmente, em conceitos como complexo de Édipo e inconsciente.
É certo que, em termos da especificidade do tema, muito do que é dito no meio popular se mescla a opiniões divergentes da própria sociedade acadêmica e profissional. A luta travada a cada dia com outras áreas do saber é complicada pela apropriação de secções que se julgam habilitadas ao uso da técnica e, principalmente, a propagação indiscriminada da psicanálise.
Como resultado, temos a psicanálise hoje vista por múltiplos olhares, empregada sob diversas formas e reeditada a cada manifestação cultural dotada de substrato mundano. Isso parece indicar um progresso efetivo, mas a contribuição da psicanálise seja na clínica, na instituição, ou nos processos culturais, depende intrinsecamente da produção científica e da divulgação por meio de artigos e trabalhos científicos.
A proposta de assistir a um filme que trata basicamente da relação edípica vai de encontro a essa premissa. É possível visualizar, de maneira clara, a triangulação essencial da relação pai-mãe-filho na história do jovem garoto de “La Luna”, do diretor Bernardo Bertolucci.
O filme inicia com a cena que revela o desenrolar da trama. A mãe acaricia seu pequeno bebê cuidadosamente, num trabalho minucioso e sereno. Sutilmente, traz ao espectador o laço afetivo que dará forma a mais significativa experiência humana – o primeiro contato com o Outro. Os beijos, lambidas, sorrisos, toques, informam ao novo corpo a capacidade exercida pela energia sexual (libido) para a ação; a região da boca e lábios passa a ser fonte de prazer e satisfação, devido primeiramente à sucção do peito e ingestão de alimentos. Incorporação. A boca é o primeiro canal de contato com o mundo, e também conduto da auto-erotização exercida pela criança.
O contexto das cenas iniciais evoca uma atmosfera densa, acompanhada de uma música repetitiva e soturna. O pequeno garoto agora é mostrado como um jovem adolescente rebelde. A mãe, cantora lírica, é bela. Possui lindos olhos verdes, cabelo louro, voz encantadora. Após a morte de Douglas, padrasto do garoto, a mãe decide ir para a Itália e levá-lo, mesmo que a contra gosto. Após o enterro, a mãe declara implicitamente o novo posto do garoto. Observados por um grupo de curiosos (delatores), diz para Joe que ele deve acompanhá-la, levar suas roupas junto das dela, e não dificultar. Contrariado, Joe a acompanha.
A série de acontecimentos na Itália mostra o desenvolvimento de uma relação destrutiva e estarrecedora. Joe passa a usar heroína, enquanto que sua mãe faz peças de ópera. Em uma das apresentações, Joe é visto admirando a mãe, vislumbrado com a teatralização de uma peça que remete ao embate entre pai e filho. Quando o homem entra em cena, com sua voz imponente, o garoto parece fugir. Pai e filho duelam espadas ao lado da amada Mãe.
Ainda no teatro, surge o indício das perturbações que acompanham o jovem. Ao estar sozinho com sua amiga Ariana, fica apavorado com a imagem da Lua no céu, vista inicialmente enquanto andava no cesto da bicicleta de sua mãe enquanto bebê. A Lua causa um efeito extremamente intenso, e representa a etapa de instalação de sensações e figuras primordiais para a criança. A simples visão evoca, para ele, a experiência tida ainda na indiferenciação sujeito-objeto, do mais íntimo vínculo com a progenitora. A Lua abraça e envolve, vela o pecado original e o denuncia.
O aniversário de Joe é esquecido pela mãe, que dizia ainda naquela noite que o garoto era a coisa mais importante para ela. “Odeio aniversários!”. Uma data importante que segundo ele não poderia ter sido esquecida. “Quem me ama não esquece meu aniversário!”. O que ocorre é que a mãe aguardava ansiosamente a presença de um tal Edward, que só aparece após a apresentação. “Quem me ama não perde minha apresentação, não é Joe!”. A sentença é encerrada. A personalidade da mãe é evidenciada. A partir deste momento a trama passa a percorrer os traços patológicos.
A festa de Joe, marcada pelo esquecimento, é antes de tudo, uma comemoração de sua mãe. Ela é o centro da festa, das atenções. Um dos momentos fundamentais da adolescência do filho é corrompido, entretanto não passa em branco – a mãe presencia o garoto usando heroína com sua amiga. A situação é bastante delicada, e embora pareça claro o desenrolar dos fatos, o rumo é mais complicado do que se espera. Sempre o é, mas nosso entendimento escapa àquilo que fora esquecido, sepultado. A mãe entra em frenesi, tenta entender o que está acontecendo, se acalma. Vê nela a situação de seu filho “infeliz e neurótico”.
Sob efeito das drogas, Joe diz procurar uma pessoa, mas não a encontra. A escolha do objeto de desejo transpassa a formação da personalidade e do Eu. A formação do psiquismo “saudável” é comprometida por marcas nos primeiros registros simbólicos, e a função do narcisismo é de revestir e incrementar o que posteriormente virá a ser o ego (consciência).
 A heroína causa no garoto uma satisfação momentânea, que pode ser compreendida como saciar uma tensão que é insuportável, intolerável. Reduzir a tensão do psiquismo é função fundamental para o equilíbrio mental, e requer esforços do eu para combater a insatisfação. O que se torna claro na relação entre os dois é que ambos, mãe e filho, estão desamparados. A história continua com uma série de acontecimentos que pressupõem uma relação estritamente sexual – Joe passa a se drogar com freqüência, enquanto a mãe acredita não poder mais cantar; quando falta a droga, a mãe a traz para o filho, como aquela que dá o peito à criança, e o faz. Masturba o garoto, o coloca no colo, e fecha a díade proibida – o incesto.
Após uma série de encontros e desencontros, onde até mesmo vão para a cama, Joe parece se esforçar à recusar o que lhe é solicitado. Rejeita a mãe, a agride, xinga, mas parece impossível escapar. A relação fundamental fora apresentada, do desejo do filho em relação à sua mãe, e da impossibilidade desse desfecho. Nesse momento, surge o pai, Giuseppe, responsável pela ruptura necessária para que Joe continue sua caminhada. A mãe o leva e deixa-o com Giuseppe, que ao saber do retorno da mulher vai a seu encontro.
Todo o filme se desenvolve como um teatro particular, uma peça que apenas mãe e filho são capazes de encenar. Mas para o encerramento dessa etapa é necessário a presença de um terceiro, que se denomina como intermediário detentor da lei que rege as relações humanas. O complexo de Édipo determina a tríade, e inicia uma nova fase.

Um comentário:

  1. Olá, ótima análise parabéns, gostaria de saber onde posso assistir esse filme legendado ou se tem alguma versão dublado?

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