Quando se fala
em psicanálise hoje, parece claro não se tratar apenas de um aglomerado de
teorias científicas vagas e abstratas. No cinema, na música, na arte, na
literatura, toda forma de expressão humana parece estar intimamente relacionada
ao estudo proposto por Freud no final do século XIX.
Apesar de
inúmeras críticas e da dificuldade encontrada pelo psicanalista em sua proposta
de trabalho, o campo de abrangência da psicanálise parece infinito; a cada
guinada das organizações sociais, cada ruptura com os costumes e criação de
novos paradigmas, abre-se espaço de reflexão e surgimento de idéias que se
apóiam, fundamentalmente, em conceitos como complexo de Édipo e inconsciente.
É certo que,
em termos da especificidade do tema, muito do que é dito no meio popular se
mescla a opiniões divergentes da própria sociedade acadêmica e profissional. A
luta travada a cada dia com outras áreas do saber é complicada pela apropriação
de secções que se julgam habilitadas ao uso da técnica e, principalmente, a
propagação indiscriminada da psicanálise.
Como
resultado, temos a psicanálise hoje vista por múltiplos olhares, empregada sob
diversas formas e reeditada a cada manifestação cultural dotada de substrato
mundano. Isso parece indicar um progresso efetivo, mas a contribuição da
psicanálise seja na clínica, na instituição, ou nos processos culturais,
depende intrinsecamente da produção científica e da divulgação por meio de
artigos e trabalhos científicos.
A proposta de
assistir a um filme que trata basicamente da relação edípica vai de encontro a
essa premissa. É possível visualizar, de maneira clara, a triangulação
essencial da relação pai-mãe-filho na história do jovem garoto de “La Luna”, do diretor Bernardo
Bertolucci.
O filme inicia
com a cena que revela o desenrolar da trama. A mãe acaricia seu pequeno bebê
cuidadosamente, num trabalho minucioso e sereno. Sutilmente, traz ao espectador
o laço afetivo que dará forma a mais significativa experiência humana – o
primeiro contato com o Outro. Os beijos, lambidas, sorrisos, toques, informam
ao novo corpo a capacidade exercida pela energia sexual (libido) para a ação; a
região da boca e lábios passa a ser fonte de prazer e satisfação, devido
primeiramente à sucção do peito e ingestão de alimentos. Incorporação. A boca é
o primeiro canal de contato com o mundo, e também conduto da auto-erotização
exercida pela criança.
O contexto das
cenas iniciais evoca uma atmosfera densa, acompanhada de uma música repetitiva
e soturna. O pequeno garoto agora é mostrado como um jovem adolescente rebelde.
A mãe, cantora lírica, é bela. Possui lindos olhos verdes, cabelo louro, voz
encantadora. Após a morte de Douglas, padrasto do garoto, a mãe decide ir para
a Itália e levá-lo, mesmo que a contra gosto. Após o enterro, a mãe declara
implicitamente o novo posto do garoto. Observados por um grupo de curiosos
(delatores), diz para Joe que ele deve acompanhá-la, levar suas roupas junto
das dela, e não dificultar. Contrariado, Joe a acompanha.
A série de
acontecimentos na Itália mostra o desenvolvimento de uma relação destrutiva e
estarrecedora. Joe passa a usar heroína, enquanto que sua mãe faz peças de
ópera. Em uma das apresentações, Joe é visto admirando a mãe, vislumbrado com a
teatralização de uma peça que remete ao embate entre pai e filho. Quando o
homem entra em cena, com sua voz imponente, o garoto parece fugir. Pai e filho
duelam espadas ao lado da amada Mãe.
Ainda no
teatro, surge o indício das perturbações que acompanham o jovem. Ao estar sozinho
com sua amiga Ariana, fica apavorado com a imagem da Lua no céu, vista
inicialmente enquanto andava no cesto da bicicleta de sua mãe enquanto bebê. A
Lua causa um efeito extremamente intenso, e representa a etapa de instalação de
sensações e figuras primordiais para a criança. A simples visão evoca, para
ele, a experiência tida ainda na indiferenciação sujeito-objeto, do mais íntimo
vínculo com a progenitora. A Lua abraça e envolve, vela o pecado original e o
denuncia.
O aniversário
de Joe é esquecido pela mãe, que dizia ainda naquela noite que o garoto era a
coisa mais importante para ela. “Odeio aniversários!”. Uma data importante que
segundo ele não poderia ter sido esquecida. “Quem me ama não esquece meu
aniversário!”. O que ocorre é que a mãe aguardava ansiosamente a presença de um
tal Edward, que só aparece após a apresentação. “Quem me ama não perde minha
apresentação, não é Joe!”. A sentença é encerrada. A personalidade da mãe é
evidenciada. A partir deste momento a trama passa a percorrer os traços
patológicos.
A festa de
Joe, marcada pelo esquecimento, é antes de tudo, uma comemoração de sua mãe.
Ela é o centro da festa, das atenções. Um dos momentos fundamentais da
adolescência do filho é corrompido, entretanto não passa em branco – a mãe
presencia o garoto usando heroína com sua amiga. A situação é bastante
delicada, e embora pareça claro o desenrolar dos fatos, o rumo é mais
complicado do que se espera. Sempre o é, mas nosso entendimento escapa àquilo
que fora esquecido, sepultado. A mãe entra em frenesi, tenta entender o que
está acontecendo, se acalma. Vê nela a situação de seu filho “infeliz e
neurótico”.
Sob efeito das
drogas, Joe diz procurar uma pessoa, mas não a encontra. A escolha do objeto de
desejo transpassa a formação da personalidade e do Eu. A formação do psiquismo
“saudável” é comprometida por marcas nos primeiros registros simbólicos, e a
função do narcisismo é de revestir e incrementar o que posteriormente virá a
ser o ego (consciência).
A heroína causa no garoto uma satisfação
momentânea, que pode ser compreendida como saciar uma tensão que é
insuportável, intolerável. Reduzir a tensão do psiquismo é função fundamental
para o equilíbrio mental, e requer esforços do eu para combater a insatisfação.
O que se torna claro na relação entre os dois é que ambos, mãe e filho, estão
desamparados. A história continua com uma série de acontecimentos que
pressupõem uma relação estritamente sexual – Joe passa a se drogar com
freqüência, enquanto a mãe acredita não poder mais cantar; quando falta a
droga, a mãe a traz para o filho, como aquela que dá o peito à criança, e o
faz. Masturba o garoto, o coloca no colo, e fecha a díade proibida – o incesto.
Após uma série
de encontros e desencontros, onde até mesmo vão para a cama, Joe parece se
esforçar à recusar o que lhe é solicitado. Rejeita a mãe, a agride, xinga, mas
parece impossível escapar. A relação fundamental fora apresentada, do desejo do
filho em relação à sua mãe, e da impossibilidade desse desfecho. Nesse momento,
surge o pai, Giuseppe, responsável pela ruptura necessária para que Joe
continue sua caminhada. A mãe o leva e deixa-o com Giuseppe, que ao saber do
retorno da mulher vai a seu encontro.
Todo o filme
se desenvolve como um teatro particular, uma peça que apenas mãe e filho são
capazes de encenar. Mas para o encerramento dessa etapa é necessário a presença
de um terceiro, que se denomina como intermediário detentor da lei que rege as
relações humanas. O complexo de Édipo determina a tríade, e inicia uma nova
fase.